Autoras: Giovana Ilka Jacinto Salvaro; Fabia Alberton da Silva Galvane; Patrícia Mariano
No mercado de trabalho formal,3 quanto ao total da população ocupada por grandes setores da economia brasileira (Indústria, Construção Civil, Comércio, Serviços e Agropecuária) e por regiões do País (Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul), de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais ‒ RAIS, os dados de 2015 apresentaram um total de 48.060,807 (BRASIL/MTE/RAIS, 2015). Nesse cenário, a participação do setor de serviços foi de 54,82% (26.350.187) em relação aos demais setores; do total de 26.350.187, desagregado por sexo, 13.782,854 (52,30%) da participação eram de mulheres e 12.567.334 (47,70%), de homens.
Ainda que se tenha o setor de serviços como foco de estudo, cabe destacar que a crescente participação de trabalhadoras no mercado de trabalho não ocorreu apenas nesse setor. O estudo realizado por Barbosa (2014, p. 415) evidenciou que, no Brasil, nas últimas décadas, “[…] a taxa de participação das mulheres, entre 15 e 64 anos de idade, aumentou de 51,2% em 1992 para 59,0% em 2012”. Nos últimos cinquenta anos, no que concerne ao trabalho das mulheres no Brasil, Guimarães e Alves de Brito (2016, p. 81) constataram que a esfera do mercado de trabalho, “[…] antes de domínio masculino, alterou de maneira substancial sua composição por sexo, com interfaces importantes com outros processos, como a notável redução da fecundidade e a significativa ampliação da escolaridade feminina”.
O aumento da participação das mulheres em todos os grandes setores da economia pode, quando analisado superficialmente, sugerir a superação de problemáticas relacionadas a desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Entretanto, vale ressaltar, conforme apresentam Hirata e Kergoat (2007), que, embora as condições das mulheres no trabalho tenham melhorado significativamente, a distância entre elas e os homens continua insuperável. É possível observar, então, um avanço importante no aumento e na constância da participação das mulheres no mercado de trabalho, porém, ainda em condições desiguais em relações aos homens.
Retomando o foco da discussão, de igual modo, é importante lembrar que, no Brasil, em um cenário econômico mais amplo, destaca-se a crescente participação do setor de serviços na geração de empregos. O estudo de Melo et al. (1998, p. 1) evidenciou que “[…] o Brasil tornou-se, nas últimas décadas, uma economia na qual o setor Serviços representa quase dois terços do emprego urbano metropolitano e responde por mais da metade do PIB, numa trajetória semelhante à evolução econômica dos países desenvolvidos”. No âmbito da análise econômica, a partir dos anos 1930, pela denominação inicial de “Terciário”, o setor de serviços torna-se objeto de estudo (MELO et al., 1998).4
Ainda, em uma perspectiva histórica, verifica-se que a criação de empregos no setor terciário foi impulsionada pelo desenvolvimento industrial, tecnológico e por economias estatais (PINSKY; PEDRO, 2003). No que se refere à empregabilidade de trabalhadoras, cabe destacar que, “na primeira metade do século XX, especialmente, no período entreguerras, o setor terciário passou a ocupar grande parte da mão de obra feminina, alocadas nos empregos de colarinho branco” (PINSKY; PEDRO, 2003, p. 300).
A participação crescente do setor de serviços na econômica de um país não se restringe ao Brasil, caracterizando-se como uma atividade econômica central em outros países. Conforme esclarece Kon (2006, p. 17-18), “[…] os serviços desempenham um papel crescentemente importante nas relações econômicas entre as nações, além do papel considerável nas economias nacionais em todos os níveis de desenvolvimento, com maior intensidade nas economias mais avançadas”.
A reflexão sobre o crescimento e a centralidade do setor de serviços no desenvolvimento econômico, na geração de emprego e de renda de um país,5 temática tratada com propriedade pelos estudos citados no presente texto, escapa ao objetivo ora proposto. Embora não se tenha a pretensão de apresentar uma reflexão aprofundada sobre o “conceito de serviços”, algumas questões precisam ser consideradas para que, na sequência, os temas da divisão sexual do trabalho, das desigualdades de gênero e das formas de subjetivação possam ser problematizados. No campo da teoria econômica, Kon (1992, p. 13 apud KON, 2007, p. 130-131) observa que, historicamente, o setor de serviços remete a duas linhas conceituais principais:
a. a marxista, segundo a qual algumas atividades, incluindo grande parte dos serviços, são improdutivas, não pertencendo ao fundo potencialmente disponível para propósitos de desenvolvimento econômico; o trabalho improdutivo é mantido por parte do excedente econômico da sociedade, não se relacionando ao processo de produção indispensável; e b. a keynesiana, segundo a qual qualquer atividade que faz jus a uma recompensa monetária é considerada útil e produtiva por definição.
Para além da discussão relativa à importância e à utilidade das atividades em determinado sistema econômico, o caráter “produtivo” ou “improdutivo” deve ser igualmente levado em conta em um campo socioeconômico mais amplo e que remete a certa valorização/desvalorização quando as atividades são analisadas considerando os/as trabalhadores/as que as realizam. Como já descrito, é importante pensar que se trata de um setor da economia que se distingue dos demais pela grande parcela de trabalhadoras que emprega, cabendo, nesse sentido, identificar quais subsetores do setor de serviços são responsáveis pela concentração dessa participação.
Na análise realizada por Bruschini (2007), no ano 2000, o setor de serviços reunia a maior parte das trabalhadoras e cerca de 40% delas concentradas nos subsetores da educação, saúde e serviços sociais, serviços domésticos e outros serviços coletivos, pessoais e sociais. O mesmo setor reúne atividades cuja concentração da participação de mulheres se distingue por fatores como os relacionados ao aumento ou não da escolaridade. O cenário descrito por Bruschini (2007, p. 561) dá conta de que “[…] o trabalho doméstico, ou seja, o emprego doméstico remunerado é o nicho ocupacional feminino por excelência, no qual mais de 90% dos trabalhadores são mulheres […]”. Melo e Di Sabbato (2011, p. 36) também observam que “[…] a administração pública já tem maioria de mulheres nos seus quadros, expressando a maior escolaridade feminina […]”, sendo que tal expressividade feminina no subsetor da administração pública pode ser explicada pelo fato de que este reúne atividades relativas à educação e à saúde.
No tocante aos subsetores da educação, da saúde humana e dos serviços sociais, conforme a Classificação Nacional de Atividades Econômicas ‒ CNAE 2.0 (IBGE, 2016), as atividades são organizadas de forma mais específica. A seção da Educação apresenta a seguinte divisão em grupos:6 Educação Infantil e Ensino Fundamental; Ensino Médio; Educação Superior; Educação Profissional de Nível Técnico e Tecnológico; Atividades de Apoio à Educação; outras atividades de ensino. De uma forma mais ampla, a seção Saúde Humana e Serviços Sociais contém as seguintes divisões:7 Atividades de atenção à saúde humana; atividades de atenção à saúde humana integradas com a assistência social, prestadas em residências; serviços de assistência social sem alojamento.8
Para elucidar o cenário, faz-se referência aos índices de participação de trabalhadores/as, no ano de 2015, nas seções da Educação, Saúde Humana e Serviços Sociais, conforme dados da RAIS (BRASIL/MTE, 2015). Na seção da Educação, da participação total de 2.003,819, desagregada por sexo, 62,24% (1.247,150) eram de mulheres e 37,76% (756,699), de homens. Na seção da Saúde Humana e Serviços Sociais, da participação total de 2.201.061, desagregada por sexo, 76,40% (1.681.674) eram de mulheres e 23,60% (519,387), de homens.
Com o propósito de contribuir para o debate a respeito da participação de trabalhadoras na educação, faz-se referência a questões destacadas em pesquisa realizada com o objetivo de mapear a produção científica brasileira sobre trabalho, mulheres e relações de gênero, no período de 2000-2015, disponível na base Scientific Electronic Library Online – SciELO Brasil (MARIANO; SALVARO, 2016).
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