Autora: Bárbara Madruga da Cunha
A violência contra a mulher é um fenômeno antigo e, também por isso, muito
banalizado. Ele se encontra justificado por pressupostos biológicos bem duvidosos, mas
infelizmente comuns, que apontam a mulher como ser mais frágil, de menor força física e
capacidade racional, que por sua própria natureza domesticável tem tendência a ser dominada,
pois necessita de alguém para protegê-la e orientá-la. Nesta concepção, ela se encontra
passiva de violência e, em alguns momentos, inclusive precisa de uma correção. Esta
argumentação biologicista defende que as mulheres, por uma suposta “natureza feminina”,
apresentam comportamentos ilógicos e irracionais, além de emotividade excessiva, o que
muitas vezes as fariam perder o controle, provocando a violência. A agressão, nesta
perspectiva infundada, se justificaria portanto como controle da irracionalidade feminina. Este
discurso naturaliza a violência de gênero de forma tal que a desloca para todos os tempos
históricos como fenômeno que sempre ocorreu e que sempre ocorrerá, ainda que em maior ou
menor potencialidade.É preciso, assim, desconstruir esta naturalização e, para isso,
compreender inicialmente o que se quer dizer com “violência contra a mulher”.
1. Fenômeno da violência contra a mulher
O termo violência pode ser compreendido como “uma forma de restringir a liberdade de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, reprimindo e ofendendo física ou moralmente”. Não se pretende, porém, apenas especificar que se trata de uma restrição de liberdade à mulher como oposição àquela sofrida pelo homem. O conceito de “violência contra a mulher” não significa uma simples oposição a “violência contra o homem” – expressão que soa estranha justamente por não se querer estabelecer pólos. Ao se falar em “violência contra a
mulher” pretende-se, na realidade, remeter às relações patriarcais de gênero e a desproporcionalidade que elas estabelecem na relação de convívio, identidade e sexualidade entre os sexos. Gênero é uma categoria criada para demonstrar que a grande maioria das diferenças entre os sexos são construídas social e culturalmente a partir de papéis sociais diferenciados que, na ordem patriarcal, criam pólos de dominação e submissão. O sexo descreve as características e as diferenças biológicas, que estão exclusivamente relacionadas a anatomia e a fisiologia. Gênero, por sua vez, engloba as diferenças sócio-culturais existentes entre o sexo feminino e o masculino, as quais foram historicamente construídas. Traz a noção, portanto, de que, nas sociedades patriarcais, o homem, a partir do falo, é construído
socialmente como homem, sendo constantemente educado para prover, comandar, atingir seus objetivos, trabalhar e conviver no espaço público. Enquanto que a mulher, a partir da vagina,
é tornada socialmente mulher, sendo educada para cuidar dos outros, da casa e da família, devendo ceder, obedecer e se preservar, permanecendo no espaço privado.
Essa relação de desigualdade de gênero encontra-se calcada, portanto, no homem enquanto ser antagônico à mulher. Ele é exatamente o oposto dela como o falo o seria da
vagina. Nesta polarização, o sexo masculino se encontra como forte, dominador, racional, chefe de família, enquanto que o sexo feminino é o sexo frágil, dominado, domesticável, emotivo e dócil. Percebe-se, portanto, que os valores da sociedade moderna se encontram
como caracterizadores do masculino e que o discurso colonizador está presente nestas relações de gênero. A partir da ideologia sexista, o homem, tal como foi construído, é que sabe o que é melhor para a mulher, a família e a sociedade. A violência de gênero, neste
sentido, tem como um de seus fundamentos o discurso racionalista.
O gênero é, assim, estruturante da sociedade, igualmente como a classe social, a raça/etnia e a sexualidade. Sendo a violência contra a mulher fenômeno essencial à desigualdade de gênero, ela não só é produto social, como é fundante desta sociedade patriarcal, que se sustenta em relações de dominação e submissão. Não pode ser
compreendida, deste modo, apenas enquanto violência física, mas como ruptura de qualquer forma de integridade da mulher: física, psíquica, sexual, moral, independente do ambiente
em que ocorra, compreendendo o espaço público e o privado. Pode, assim, ser caracterizada pelo espaço onde se estabelece as relações entre agressor e agredida, como violência escolar,
doméstica, intrafamiliar – ainda que estas categorias englobem outras violências que não contra a mulher.
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